Sobre a Autora:

Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho, é poetisa e escritora nascida no Rio de Janeiro em 23 de julho de 1933, tendo crescido entre lideranças políticas e intelectuais no casarão de seu pais, na tradicional rua São Clemente. Filha de embaixador, conviveu com os maiores poetas contemporâneos, editou vários livros, morou anos na Europa e viajou pelo mundo inteiro. Teve acento junto às mesas dos grandes da literatura, especialmente em Lisboa, com os queridos líderes africanos Samora Machel e Agostinho Netto, dentre outros. Foi pioneira da TV TUPI, sempre cercada de intelectuais e artistas, escreveu o livro “Estribilho do Encarcerado” cuja a primeira edição foi 1967, instigada por Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos. É conselheira do Instituto Brasilan e especialista em folclore brasileiro. Reeditou o "Estribilho" em Agosto de 2009 e sob pressão dos amigos, começou a divulgar o seu mais recente livro escrito em Portugal em 2006, "O Auto de Ana, a Louca - poemas lúcidos".

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O OGRO


No vargedão é tempo de interlúnio

Erva – pombinha morde a pedra dura

E vai beber do rio rojador.

Escura que nem breu lá vem a noite

E dentro dela boca escancarada

O ogro que Etelvina me inventou

“Come donzela

Come carneirinho

E sempre sente fome o escunjurado”

A blandícia da brisa que vagueia

Faz um perfume bom dentro do quarto

Escuto a gemeção vinda de baixo

Do carpimento à minha avó defunta.

Eu sou feliz demais para ser triste

Mordo a laranja cheia de desejo

O caldo escorre pelo queixo abaixo

A refrescar-me os seios prisioneiros,

Sumosa que nem beijo bem sugado.

Naquela casa mora o mau momento

Cheirando a vela e resedá do campo.

O boqueirão noturno me apavora

E dentro dele a saparia ativa

Enxovalha com lúbricos chamados

A compostura da morte presente.

Minha avó, bibelô de porcelana,

Descansa sobre tufos de filó.

Tive a impressão de vê-la escarnecendo

Aquele pranteado familiar

Que me obrigou virar um terço inteiro

Rosnando padres-nossos sopitados.

“Reza menina que o ogro não perdoa

Quem é hereje junto de defunto”

Etelvina de tetas gigantescas

Macumbeira, e cristã nos desacertos.

Depois plantaram minha avó no brejo

Entre os alagadiços mal cheirosos

À sombra dos salgueiros abismados,

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Talvez por isso, antes chorassem tanto.

Melhor seria ter chegado o ogro

E ter levado minha avó pro longe

Junto às ossadas de seus carneirinhos

E o tédio das donzelas serenado.



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

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