Sobre a Autora:

Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho, é poetisa e escritora nascida no Rio de Janeiro em 23 de julho de 1933, tendo crescido entre lideranças políticas e intelectuais no casarão de seu pais, na tradicional rua São Clemente. Filha de embaixador, conviveu com os maiores poetas contemporâneos, editou vários livros, morou anos na Europa e viajou pelo mundo inteiro. Teve acento junto às mesas dos grandes da literatura, especialmente em Lisboa, com os queridos líderes africanos Samora Machel e Agostinho Netto, dentre outros. Foi pioneira da TV TUPI, sempre cercada de intelectuais e artistas, escreveu o livro “Estribilho do Encarcerado” cuja a primeira edição foi 1967, instigada por Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos. É conselheira do Instituto Brasilan e especialista em folclore brasileiro. Reeditou o "Estribilho" em Agosto de 2009 e sob pressão dos amigos, começou a divulgar o seu mais recente livro escrito em Portugal em 2006, "O Auto de Ana, a Louca - poemas lúcidos".

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

DO SER

A fome que o consumia
não era uma fome igual à fome de todo o homem,
era uma fome de espaço
de liberdade total
Uma fome de valores infinitos ressomados
de universos estrelados
de cosmos primordial.
Em seu desejo silente ele voava sozinho
Nuvem surpresa de ninho
Nave presença de Deus
Era gaivota planando, cometa bissexto em arco
Constelação, grande barco,
em fantástico himeneu.
Amava luas crescentes
Pôr-do-sol ao pé do abismo,
Perdera seu ceticismo no delírio do vagar
Pousava sobre carneiros de lã etérea e dispersa
E como o poema versa
Ele versava a voar.
Não era ele homem exato
Nem tão-pouco equivalente
Era um homem diferente
Em seu anseio abstrato.
Portanto a fome sentida, sofrida, dilacerada
era uma fome do nada
uma fome refletida.
Era um pássaro divino
circunscrito à eternidade
Era um gigante menino
perdido ao texto da idade
Mas a fome ali guardada
era quase insaciável
mastigante, insuportável,
perseguida, alucinada.
Então vencendo uma pauta
entre o infinito e o fatal
Invadiu seu próprio ser, imenso, sensorial
E como luz que se acende, ilumina, sobressalta
ele gerou-se igualdade
no grande vácuo estendido
Foi água de santidade
Evangelho oferecido
Foi tese de honestidade
Foi risco de divisão
Foi o punhal da verdade
Foi o mastro da razão
Foi planeta de cristal
Fonte da Ninfa de Elfos
Ogiva de Catedral
Foi habitante de Delfos.
E como sabia tanto do pouco que descobrira
a fome que amansa o louco
fez-se em lira,
E como homem-heloim
ser do espaço, anjo, esteta,
encontrou princípio e fim
Foi poeta.


Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

A GORDA

Sentas com placidez absoluta
as nádegas leais ao teu assento
és toda o mais cruel depoimento
da tua via em muito dissoluta.
Arrastas o pesar tão bem cevado
da hostilidade de teu corpo vasto,
farias as delícias de um repasto
a rolares nas brasas como assado...
Teus braços, ah teus braços de masmorra
no gigantismo que fenomenal
faz de ti quase um ser espectral
onde o toucinho como um rio corra,
Tuas ancas, imensas, imorais
adornadas a sebo volumoso
faz de ti este porco majestoso
com olhinhos tristonhos e venais,
E teus peitos! meu deus quanta fartura
quando a miséria ministra labor,
uma parcela do seio que for
levava a fome de Biafra à cura.
E esta tua barriga besuntada
ao orgasmo da banha poluída
vibrando a gargalhada destemida
em tua larga boca enxovalhada.
Ah gorda, como és gorda concluída,
Como és justamente tão completa,
Tu és redonda em roda concreta
alimentada ao resto desta vida.
Ah gorda distraída de seu fado
a arrastar seu corpanzil gigante
sem ter preocupação um só instante
que és mulher embaixo deste fardo.
Ah gorda como podes gargalhante
levar a vida em tom de brincadeira
se ouço respirar tua canseira
no continente de teu peito arfante.
É talvez por mistério navegante
deste teu monstruoso aparentar
que seja justo o nosso reclamar
à beleza invulgar de teu amante,
sim, porque este presunto impermissível
traz um amante preso à chispalhada,
com a cara feliz e deslumbrada
a este mastodonte flexível.
E nós as magras bem constituídas
ralamos uma inveja desleal
desta tua gordura colossal
ao som  das gargalhadas sacudidas!


Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho
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