Sobre a Autora:

Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho, é poetisa e escritora nascida no Rio de Janeiro em 23 de julho de 1933, tendo crescido entre lideranças políticas e intelectuais no casarão de seu pais, na tradicional rua São Clemente. Filha de embaixador, conviveu com os maiores poetas contemporâneos, editou vários livros, morou anos na Europa e viajou pelo mundo inteiro. Teve acento junto às mesas dos grandes da literatura, especialmente em Lisboa, com os queridos líderes africanos Samora Machel e Agostinho Netto, dentre outros. Foi pioneira da TV TUPI, sempre cercada de intelectuais e artistas, escreveu o livro “Estribilho do Encarcerado” cuja a primeira edição foi 1967, instigada por Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos. É conselheira do Instituto Brasilan e especialista em folclore brasileiro. Reeditou o "Estribilho" em Agosto de 2009 e sob pressão dos amigos, começou a divulgar o seu mais recente livro escrito em Portugal em 2006, "O Auto de Ana, a Louca - poemas lúcidos".

sexta-feira, 24 de julho de 2009

E O ESTRIBILHO FINALMENTE DEIXA O CÁRCERE E ECOA!

Após 42 anos, finalmente o "Estribilho do Encarcerado" de Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho está novamente ao alcance dos leitores e dos apaixonados por poesia.
Em pleno dia do amigo, 20 de Julho, a noite coruja foi tomada pela emoção que a presença da autora transmite, ao lado de seus familiares, amigos e uma pláteia ávida por melhor conhecê-la.

Confira abaixo, alguns dos registros feitos por Julio Pereira:







































































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http://picasaweb.google.com/julioinx/CorujaodaPoesia090721

sexta-feira, 17 de julho de 2009

DO VERBO MENTIR


Mentira mentiu, mentia

Que amava certa Maria,

Que fingia acreditar.

Mas na verdade enganava

A pobre amada que amava,

Mentindo, tudo aceitar.

Um dia fez-se verdade

A sua infidelidade,

Não mentiu ao confessar

Que toda a vida mentira

Amor que nunca sentira,

Sentindo muito enganar.

Mas, a Maria enganada,

Não chorou desesperada

E simplesmente aceitou.

Pois na verdade ironia,

A moça também mentia,

E ele nunca acreditou.



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

A LEMBRANÇA DA COISA


Incontáveis, incontáveis dias de vivência!

Faz muito que perdi minha inocência

No sótão da casa de minha infância.

E nos jardins coalhados de cravinas

Jogamos nossas prendas de meninas

Despuradoras à infantil ganância.

No esconde-esconde, o ermo procurado

Junto ao vale do rio acelerado,

Meu Deus, quanta emoção!

Quando das bocas, descobrindo beijos

Descobrimos também nossos desejos

No sôfrego da mão.

E vai do tempo em cérele jornada

A lembrança da cosa renovada

Em coisa não de infante,

Em Paquetá a areia adormecida

E sobre o alvo plano se estendia

Um amor mais prestante.

Depois, novos desejos bestiais

Cavalgaram no lombo de animais

Assustadoramente.

Amazonas belíssimas, as primas,

Como corcéis roçavam suas crinas

Alucinadamente.

Belo do belo, em verde me espantava,

Cachoeira que erótica espumava

A adolescência nua,

E de um efêmero de paraíso

O nosso riso ria até ao ciso,

À baderna da lua.

Depois circunspectos lirismos

Contaminaram-nos a ceticismos

Dos amores de açudes.

E nossas corredeiras violadas

Por grandes diques foram sufocadas

A atitudes de beatitudes.

Dos socavões, das moitas, dos caudais,

Estas nossas heranças ancestrais

Estão nos espiando.

E nós libérrimas rumamos silentes

A metodisação dos pacientes

Até quando, até quando?..



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

A ROSA EM TEMPO DE CHALEIRA


E com a sutileza de um porta

Plantou a rosa ao bico da chaleira...

A rua muito longa e muito reta

Em tempo de ladeira,

Carregava o vazio de meu corpo.

Tempo morto

Hora morta

Bato à porta

Ele atende

E da chaleira a rosa se desprende.

Eu quisera morrer serenizada

Á porta, ali ficar plantada

Eternamente em floração rochosa

Como ficou a rosa.

Mas esta coisa, o medo, me desgasta,

Tudo de mim se transformou em pasta

Que escorre pegajosa

Disforme e odiosa.

Fujo no tempo exato da alegria

Correndo na ladeira que descia

Afim de meu espanto,

Subir custara tanto...

Descer custou tão pouco...

Que sensação de louco

Ó que metamorfose alienada

Sentir-me ali parada

À boca da ladeira

Igual a rosa ao bico da chaleira...



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

TEMPO DE ÁGUA


A minha boca, musgo ressequido

Ao sentir água nova

Fará do vale estéril de meu corpo

Margens do Nilo,quando ressurreitas.

De meu ventre nascerão flores rubras

Eriçando seu garbo a céu aberto.

Minhas entranhas de água s dormidas

Rolarão ao fragor dos grandes rios,

E todos os sentidos destilados

Afogarão a sede secular

De meu pobre deserto sem oásis.

O meu tempo de água, fez-se à vista.

As miragens de meus olhos sofridos

Estão cristalizadas.

Aprendi mitigar todas as sedes

E quero que me bebas.



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

EXUMAÇÃO


Ficou sozinha em mundo povoado

E pateticamente compreendeu

Que toda humanidade fora um Eu,

Seu próprio Eu a ela encarcerado.

Sentiu feri-la estéril e improdutiva

Semeadura em terra malsinada.

O que plantou não procriaria nada.

Rendeu-se a uma derrota decisiva.

Depois eliminada ao caos da idade

Chorou amargamente a desventura,

Cravou na terra calcinada e dura

Um coração vencido de bondade.

Metamorfoseada em linha agônica

O sexo doou a metafísica.

Sofreu hemoptise a idéia tísica

Vomitou sangue a poesia crônica.



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

O OGRO


No vargedão é tempo de interlúnio

Erva – pombinha morde a pedra dura

E vai beber do rio rojador.

Escura que nem breu lá vem a noite

E dentro dela boca escancarada

O ogro que Etelvina me inventou

“Come donzela

Come carneirinho

E sempre sente fome o escunjurado”

A blandícia da brisa que vagueia

Faz um perfume bom dentro do quarto

Escuto a gemeção vinda de baixo

Do carpimento à minha avó defunta.

Eu sou feliz demais para ser triste

Mordo a laranja cheia de desejo

O caldo escorre pelo queixo abaixo

A refrescar-me os seios prisioneiros,

Sumosa que nem beijo bem sugado.

Naquela casa mora o mau momento

Cheirando a vela e resedá do campo.

O boqueirão noturno me apavora

E dentro dele a saparia ativa

Enxovalha com lúbricos chamados

A compostura da morte presente.

Minha avó, bibelô de porcelana,

Descansa sobre tufos de filó.

Tive a impressão de vê-la escarnecendo

Aquele pranteado familiar

Que me obrigou virar um terço inteiro

Rosnando padres-nossos sopitados.

“Reza menina que o ogro não perdoa

Quem é hereje junto de defunto”

Etelvina de tetas gigantescas

Macumbeira, e cristã nos desacertos.

Depois plantaram minha avó no brejo

Entre os alagadiços mal cheirosos

À sombra dos salgueiros abismados,

...............................................................

Talvez por isso, antes chorassem tanto.

Melhor seria ter chegado o ogro

E ter levado minha avó pro longe

Junto às ossadas de seus carneirinhos

E o tédio das donzelas serenado.



Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

DISSONANTE

No quadrante da sala
A felicidade em porcelana azul-monotonia
Pousa em teus lábios compassivamente.
É hora do café Nataniel, não chora
Pois a segunda-feira foi urdida
Como protesto ao tédio domingueiro
Com pai e mão galinha e guaraná.
É hora de voltar ao absoluto
Reencontrar a arquitetura hipótese
Montada entre os varaus do sentimento
Beber água tangida na goteira
E seguir o riacho da sarjeta
À caminho da fácil vida urbana
Dissoluta, perdida, estraviada
Do destino exato que te traçaram ontem.
Bebe café Nataniel carinho, bebe de manso
E aquece o teu corpo consumido
De tosse e sacrifício,
Pois a vida lá fora anda gritando
O nome do inexato sem vivência
Que se perdeu pelo cotidiano
A esquecer-se das obrigações
Madrugáveis, amantes e viventes
E enrodilhou-se ao cobertor listrado
A mastigar o pão venturoso.
E tão família fez-se que olvidou-se
Que era Nataniel o sem ninguém
E com destino apropriado ao largo
Vadio, solitário, insatisfeito.
Toma café Nataniel e parte
Pois não te posso ver neste quadrante
Despertencido ao tempo de família
A mim que não te quero e despercebo
Tua existência entre xarope verde
E os noturnos vagantes dispersados
No teus passos incertos e gemidos.
Toma café Nataniel, e parte!


Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

RETORNO

Falua branca de meu sonho louco
Quase não vagas em nosso antigo mar
Cambraias estendidas ao luar
No preamar de mim veleja um pouco.
Grutas azuis do corpo lapidado
Algas florindo no salivar da espuma
Pó de cristal no cintilar da bruma
Peixe pelo arco-íris polvilhado
Corpo meu estendido ao sol amante
À ternura das vagas desmembrado
Grande peixe veloz e viajado
Às infiéis marés, sempre constante.
Heis-me de volta ao sal da boca de beijo
Areia erotizada à minha escama
Amor algum deitou tamanha cama
E soube desejar tanto o desejo.


Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

DELÍRIO


Quero amar verde-musgo alucinadamente
Com o amor tempestade a trovejar fremente
Rodopiando louco no vento que encrespado
Vai arrancar da terra o tronco mais cravado.
Quero amar como o rio varando enlouquecido
O barro de seu corpo no leito adormecido
A devorar faminto os prazeres das margens
Na febre dos instintos, na fuga das viagens.
Quero amar seiva-viva escorrendo alentada
A árvore gigante moradora da estrada
Quero cravar os dentes nos ramos ressequidos
Nas fôrças mais potentes de todos os sentidos.
Quero o amor dos pastos do verde deslumbrado
A subir pelo monte, erótico,encrespado
E no alto da montanha meu corpo abandonar
E entregar-me nua nos braços do luar.
Quero amar tão somente nesta diversidade
do mais contente, do amor mais saudade
Do amor honestidade suspiroso de alguém
Deste amor que em verdade nunca foi ninguém.
Eu quero o amor agreste e bestializado
Aquele amor que investe sobre o prado molhado
E num mugir sentido o seu corpo arremessa
Na ânsia dividida de desejo e promessa.
Eu quero amor lavado na água borbulhante
Da cachoeira em fúria selvática e vibrante
Gargarejando espasmos, sufocada ao martírio
Destes delírios pasmos, deste langor de lírio.
Aí quero ser eu mesma um tempo repisado
Entre o estêrco da terra e o barco sopitado
Nas patas do cavalo, nas botas do tropeiro
Quero ser esmagada pelo amor caminheiro
Estrada onde caminham as rústicas paixões
Carros de boi rangendo e touros ermitões.
Quero no roxo vivo do abrir da madrugada
Deitar-me sobre a terra e ser violentada

E depois quase morta de prazer e tristeza
Germinar em meu ventre a própria natureza.


Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho

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